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Nos últimos anos, as comunidades indígenas vêm sofrendo impactos estarrecedores com a perda de cobertura da biodiversidade florestal. Foi a partir disso e com o objetivo de poder conhecer a madeira e entender a relação etnocultural que ela tem para uma população tradicional indígena, que a estudante Laíse de Jesus dos Santos, 24 anos, decidiu estudar e pesquisar sobre o assunto.

Sua pesquisa, publicada em junho de 2022 na IAWA Journal – uma das mais importantes revistas científicas de anatomia da madeira do mundo – tem como tema Use of wood by indigenous peoples of the Eastern Amazon, Brazil (Uso da madeira por povos indígenas da Amazônia Oriental, Brasil) e traz resultados interessantes para toda a comunidade científica e sociedade em geral, como o uso da madeira da castanheira para a construção de acampamentos.

Laíse no laboratório da UEPA

Toda essa pesquisa surgiu quando ela ainda estava na graduação de Engenharia Florestal, na Universidade do Estado do Pará, em meados de 2019. Laíse teve a oportunidade de estagiar na Fundação Casa da Cultura de Marabá para trabalhar com a identificação das madeiras dos artefatos da reserva etnológica. E foi aí o começo de tudo.
Ela relembra que foi um momento enriquecedor e muito importante. “Inicialmente, eu não iria fazer coleta nas reservas indígenas. Iria trabalhar só com o material que estava no acervo da Casa. Mas, surgiu a oportunidade de ir a campo. Fiquei três dias com o Povo Suruí vivenciando a rotina deles. Nos instalamos em um acampamento, onde eles recolhem as castanhas, e foi uma experiência incrível”, detalha.

Laíse explica que além da castanha, eles utilizam a madeira dessa espécie para construir acampamentos de longo prazo na floresta. “A castanheira é protegida por lei. No entanto, a legislação permite que os povos indígenas utilizem todos os recursos naturais que existem em suas reservas para a sua sobrevivência e a sobrevivência da sua cultura”, ressaltando que eles utilizam apenas as castanheiras que caíram naturalmente, nunca derrubando, pois a coleta da castanha é uma das maiores fontes de renda do Povo Suruí.

Outra espécie identificada foi o Pau-Preto, que é muito utilizado para arborização das cidades. A pesquisadora explica que foi analisado que essa espécie é usada para fazer fogo.
“Nas madeiras utilizadas para a construção dos arcos, identificamos Ipê e Pau-Doce. E conseguimos comparar com a literatura, mesmo com o conhecimento empírico que possuem, conseguem utilizar madeiras com propriedades tecnologias muito boas, adequadas para cada artefato. Para o arco, eles utilizam a madeira usada pela população não indígena para fazer, por exemplo, instrumentos musicais”.

Para ela, o mais difícil nesse processo, além do contato inicial com a população indígena, foi a pandemia. Laíse conta que estava no começo da pesquisa, no início de 2020, quando viajou para Brasília para poder fazer a identificação das espécies no Serviço Florestal Brasileiro e tudo fechou. “Foi um susto. Mas, assim que reabriram, conseguimos dar sequência e terminar a pesquisa ainda em 2020”.

Com o auxílio do orientador, professor Luiz Eduardo Melo, coordenador do Laboratório de Ciências e Tecnologia da Madeira, Laíse fez seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com base nas pesquisas realizadas através do estágio na FCCM e acabou sendo premiada. Após, a formação da graduação, ingressou imediatamente no mestrado em Ciência e Tecnologia da Madeira, na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, e continuou trabalhando em cima dos resultados da pesquisa para poder fazer uma publicação internacional.

Mirtes Emília, coordenadora da Núcleo de Etnologia da FCCM, e Luiz Eduardo Melo, professor e orientador de Laíse

“Ao longo de 2021, continuamos trabalhando nesses resultados para poder fazer essa publicação internacional. Escrevemos o artigo, mandamos para a tradução e submetemos o texto a uma das melhores revistas científicas do mundo, e ele foi aceito. São bons frutos para nós pesquisadores e para toda a região”, diz ela, orgulhosa do trabalho.

A presidente da FCCM, Vanda Américo, comemorou a publicação de Laíse e sabe da importância de um estágio para estudantes do ensino médio e superior. “Muitos jovens precisam de oportunidade. E nós da Casa da Cultura fazemos de tudo para proporcionar para esses estudantes aprendizado no mercado de trabalho. Além disso, todos os nossos estagiários recebem remuneração, que é uma forma de incentivo. A Laíse foi uma estagiária dedicada e competente, e essa publicação só prova mais ainda isso”.

O docente conta que a pesquisa foi produzida graças ao apoio e parceria com a Casa da Cultura. “Os alunos da UEPA vão para a Fundação estagiar e se empolgam quando conhecem o trabalho e percebem as possibilidades de interação. E a Laíse seguiu essa pegada. No final da iniciação científica, ela, por incentivos dos profissionais da Casa, falou que queria trabalhar com a população indígena tradicional e mergulhou nessa pesquisa, a ponto de emergir com eles lá, na vivência”, relata o professor.

Luiz Eduardo Melo, coordenador do Laboratório de Ciências e Tecnologia da Madeira

Luiz explica que com a pesquisa surgiram muitos questionamentos sobre essas madeiras utilizadas, já que essa informação não existe na literatura. Com isso, a partir da coleta da madeira do Povo Suruí (em campo) e do Povo Gavião (material do acervo da FCCM) o trabalho foi iniciado.

“É muito importante para a comunidade e, principalmente para o setor político, para que tenham uma visão de que é importante preservar esses setores. Não somente a visão humanística, mas de políticas públicas para que possamos entender quais são essas espécies que estão sofrendo ação predatória mais frequente dos não-indígenas. E, com isso, dar visibilidade para pesquisas, implementando esses resultados que são capazes de ajudar na preservação e manutenção dessas etnias”, ressalta Luiz Eduardo, orientador de Laíse.

Falando em Laíse, ela está prestes a concluir o mestrado. Questionada sobre os próximos passos, a jovem diz quer trabalhar. “Se surgir oportunidade de trabalho voltado para as populações indígenas, eu topo”, argumenta.

Texto: Ana Mangas (ASCOM/FCCM)

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